segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Conversas de Café 03



Desenvolvimento e Política Cultural


Ficamos a saber, na semana em que se organizou o Fórum sobre Economia da Cultura, promovido pelo Ministério da Cultura de Cabo Verde, que este já tem um site (ou um sítio, como se escreve em língua portuguesa) onde dá conta da sua orgânica, dos seus objectivos, das suas actividades, das intervenções do Ministro, entre outros destaques. Um sítio que veio em boa hora, porque se há um problema claro no Ministério da Cultura que temos hoje é na forma como este (não) comunica com os seus potenciais parceiros, com os agentes culturais e com a sociedade civil. Ao utilizar esta ferramenta poderosa, útil e prática que é a Internet, o Ministério da Cultura deu um importante passo no sentido de estar junto de quem interessa. Além do mais, se em termos de conteúdo, ainda deixa algo a desejar, o que é perfeitamente normal pois está ainda no seu início, é importante realçar o excelente grafismo, com um bom gosto a todos os níveis, que é digno de realce.

Sejamos claros: este Governo fez algo de muito importante. Manteve na sua orgânica de base um Ministério da Cultura. Eu, pessoalmente, sempre defendi este modelo, dada a importância que continuo a dar à componente cultural no âmbito do processo de desenvolvimento do País. Ainda me lembro dos tempos em que tínhamos a componente cultural da governação anexa ao Ministério da Defesa, por exemplo (!). E mesmo que seja claro que a aplicação de uma política cultural do Estado pode e deve estar intimamente ligada a outros sectores, nomeadamente a Educação, o Turismo ou a Economia, não deixa de ser um sector tão complexo e fundamental, que exige que não seja anexado ou secundarizado por nenhum outro ministério, perdendo a sua autonomia e a sua capacidade interventiva na e com a sociedade. 

Um ponto de ordem

Que fique claro também: falo muito de cultura, de política cultural, do papel do Estado no desenvolvimento cultural da Nação, por serem assuntos ligados à minha actividade profissional, mas também porque é um assunto que me apaixonou desde sempre, porque continuo a pensar que vale a pena lutar pelos nossos ideais. Quero com isto dizer que não tenho, nem nunca tive, ambições políticas (muito menos partidárias) e que, sendo assim, não pretendo com as minhas opiniões marcar nenhuma posição para nenhum eventual cargo público. A minha maior ambição, muito sinceramente, é continuar a crescer enquanto criador, continuar a ter a capacidade de aprender enquanto formador, continuar a lutar por um lugar ao Sol para o (e não no) teatro cabo-verdiano, luta essa que é feita enquanto encenador, actor, dramaturgo, professor, dinamizador e produtor cultural, ligado à minha companhia de teatro, que tanto me orgulha, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português - IC, no Mindelo, e a uma Associação que revolucionou o panorama teatral cabo-verdiano, a Associação Mindelact, feita e construída tendo por base a partilha e o afecto entre os amantes das artes cénicas, e que é hoje responsável, entre outras realizações, por aquele que será provavelmente o melhor festival de teatro da actualidade do continente Africano, um Centro de Documentação e Investigação Teatral que é um exemplo (porque funciona!) ou uma colecção de dramaturgia nacional, que publica peças de teatro de autores nacionais. 

Também é importante sublinhar que nada de pessoal me move contra ou a favor de quem quer que seja dentro do Ministério da Cultura. Como em todos os lugares tenho pessoas com quem me identifico mais, outras menos, mas nada que se possa aproximar do que conhecemos como «ódios ou amores de estimação». Não os tenho em relação a ninguém, embora admita a possibilidade de haver quem os tenha em relação à minha pessoa. Antes pelo contrário, independentemente do que me aproxima ou separa dessas pessoas, admiro a generosidade de quem presta serviço público, o melhor que pode e sabe, defendendo os seus pontos de vista, lutando pelas suas ideias (no caso de as ter), como eu faço em relação aos meus pontos de vista e aos meus ideais, sendo certo que o grau de responsabilização é diferente nas pessoas que prestam serviço público do que no meu caso, que tenho que prestar contas à minha entidade patronal, a uma Assembleia Geral ou ao público que vai ver os espectáculos onde tenho alguma intervenção enquanto criador.

Isto para dizer que quando critico, ou sugiro, ou «mando as minhas bocas» às políticas culturais ou ao Ministério da Cultura, ou falo de algum aspecto específico da componente cultural da Nação cabo-verdiana o faço, em primeiro lugar, pelo meu incomensurável amor pelo País que me adoptou (e adoptei), e depois, como é evidente, por vontade de partilhar ideias, de discutir, de conversar, de aprender mais, de ouvir, de observar, de crescer e, algumas vezes, para mudar de opinião. De forma descomplexada, porque se há algo que aprendi neste percurso, é que na vida – e na arte – não há verdades absolutas. E portanto, mesmo as posições que são tornadas públicas hoje, podem ser refutadas e contrariadas por quem tenha capacidade, paciência ou vontade de me provar o contrário.

Economia como Telhado

Não tenho nenhum problema em juntar a palavra «economia» com a palavra «cultura». Uma e outra fazem parte do nosso dia-a-dia de uma forma tão presente que muitas vezes nos esquecemos do seu peso nas nossas rotinas, nos nossos vícios, amores, desamores, paixões, trajectos, escolhas ou formação pessoal. Não tenho preconceitos, enquanto criador e «homem da cultura», em relação à Economia. Mas desconfio desta actual insistência em ligar Economia à Cultura, promovendo uma «Economia da Cultura», strictu sensus, num Estado onde quase tudo está por fazer no que diz respeito a uma real aplicação de uma política cultural. Diria mesmo que falar de Economia, e mais ainda, falar de auto-sustentabilidade (outro termo muito em voga actualmente), deveria fazer parte do último patamar do longo e complexo edifício da política cultural de uma Nação. O telhado da casa. Fundamental, porque sem ele não temos condições de ter um lar minimamente habitável. Mas antes do telhado, temos que ter o projecto, o terreno, as fundições, as paredes, as portas e janelas, as canalizações, o sistema eléctrico, e tudo o mais que faz com que uma casa possa funcionar como casa. Depois temos o telhado. As pinturas. Os acabamentos. 

No caso da Cultura, ou melhor, da aplicação concreta da acção pública no desenvolvimento cultural, a base é, do meu ponto de vista, a formação artística. A promoção, directa e indirecta, de escolas, formações, ensino formal e/ou informal, nas áreas da música, do teatro, da dança, das artes plásticas. Isto passa, naturalmente, por um processo, neste momento a decorrer em Cabo Verde com 20 anos de atraso, de revisão dos currículos e a inclusão nestes da Educação Artística, desde os níveis básicos até ao Universitário. Mas não chega. É preciso mais. Muito mais. E aqui, o Estado e principalmente o Ministério da Cultura, tem uma enorme responsabilidade. Esta percepção, ficou ainda mais vincada, quando sabemos que pouco mais de 30% daqueles que fazem parte da actual classe artística cabo-verdiana tem formação específica na sua área de intervenção. Ou seja, cerca de 70% dos nossos artistas são autodidactas, baseando a sua actuação num puro empirismo. Não é que ser autodidacta tenha algo de negativo, muito pelo contrário, continuo a defender que mesmo os licenciados, mestres e doutores, devem ser autodidactas, ou seja, continuar com vontade de aprender, por iniciativa própria. Mas nesta área de actividade, como em qualquer outra, a formação é fundamental. Por alguma razão não existem médicos, advogados ou engenheiros autodidactas, mesmo admitindo que o grau de criatividade exigido nestas profissões possa ser bem menor do que no caso dos artistas.

Cultura e Desenvolvimento

Como quase tudo no mundo contemporâneo gira à volta do contexto económico, é importante salientar que, do ponto de vista antropológico, a expressão «relação entre cultura e a economia» sempre fez sentido já que a economia faz parte da cultura de um povo. O economista David Landes, no seu notável livro, «A Riqueza e a Pobreza das Nações» afirmou algo que me parece muito claro: «Se aprendemos alguma coisa na história do desenvolvimento económico é que a Cultura faz toda a diferença.» Cabe-nos, pois perguntar: a cultura é um instrumento do desenvolvimento, entendido no sentido de progresso material, ou ela é o fim e o objectivo do desenvolvimento, compreendido no sentido do progresso da vida humana sob as suas múltiplas formas e na sua totalidade? 

Quando pararmos para reflectir sobre esta pergunta, absolutamente central para a definição de um caminho coerente no que diz respeito à aplicação de uma politica cultural coerente e integradora. Quando, na nossa reflexão, tivermos presente essa afirmação de David Landes. Quando pararmos um pouco para pensar nas actuais condições estruturais, políticas, sociais e económicas de Cabo Verde, com alguma naturalidade poderemos concluir que a cultura será o objectivo último de um desenvolvimento entendido como o progresso total do ser humano. Quer isto dizer que nenhum desenvolvimento pode ser verdadeiramente atingido e durável se não tiver em conta e não explorar a força vivificante da cultura, se ignorar os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições, as crenças, os conhecimentos e os talentos da comunidade. Aliás, nós sabemos isso pelo menos desde Amílcar Cabral. Mas às vezes parece que nos esquecemos com demasiada facilidade. 

Por isso continuo a ter alguma dificuldade em compreender que num país como o nosso se insista tanto no discurso político da «indústria cultural» ou da «auto-sustentabilidade da cultura», sem qualquer questionamento ou polémica, numa envergonhada tentativa de desresponsabilização do Estado enquanto veículo maior do desenvolvimento cultural do arquipélago. O facto de não haver conhecimento de nenhum Plano de Desenvolvimento Cultural que justificasse, sustentasse e guiasse uma política cultural foi, pelo menos até à data da realização do referido Fórum, um sinal bastante preocupante. Quem sabe se com as recomendações saídas do Fórum, fruto da generosidade e do trabalho de um grupo notável de pessoas., possamos ver alguma luz ao fundo do túnel.

(Continua na próxima crónica com: Os sítios da Cultura)

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