domingo, 2 de novembro de 2008

Conversa de Café 02


Obama e Outros Santos

Hoje, dia em que escrevo a presente crónica, é 01 de Novembro, dia de todos os santos. A data ideal para rezar a todos os santos para que quando vocês estiverem a ler esta crónica, o santo de que todos falam, já possa estar praticamente com os dois pés na casa mais branca do planeta. Aqui faltam três dias, aí parece que foi ontem. E foi mesmo! Mas não é o único santo de que se fala nos cafés da cidade. No Mindelo, outros santos são motivo de conversa e vamos deixar registo dos mais badalados:

Santo Obama

Não houve como ficar indiferente a estas eleições. Durante as últimas semanas, as eleições norte-americanas foram um dos temas principais nos cafés, blogues e na comunicação social, no mundo e também aqui em Cabo Verde. Quase todos desejaram que o senador Barack Obama fosse eleito o próximo Presidente dos Estados Unidos da América. O senador tornou-se já um ícone e uma figura «histórica», mesmo antes de se saber qual o resultado final de toda esta longa batalha, que começou nas primárias numa luta sem tréguas contra o influente e poderoso clã Clinton. Já se ironizou, na imprensa americana, que Obama é tão perfeito que só pode ser mesmo filho do Super-Homem e ter nascido em Krypton e até aqui em Cabo Verde, já é referenciado por políticos como uma das suas «referências maiores», ao lado de um Nelson Mandela, Luther King ou Amílcar Cabral, como se o Senador Obama não fosse um ilustre desconhecido há apenas dois anos atrás. Mas isto é um pouco como o surf, não há como resistir em ir naquela onda maior, que nos leva alegremente em conjunto para uma bela praia de areias brancas…

Não é preciso estar sempre a repetir o óbvio. Estas eleições, ou melhor, o resultado destas eleições, influenciarão de forma marcante os acontecimentos mundiais nos próximos anos. Como o desastroso reinado de George Bush mudou o mundo e transformou-o num local muito mais perigosos para se viver, também se espera que com Barack Obama muita coisa possa mudar. E não é só na questão do Iraque, cuja retirada, sem honra nem glória, parece inevitável. Aliás, quem julga que os americanos vão se transformar nos maiores pacifistas do planeta, tirem o cavalinho da chuva. O apoio público manifestado pelo republicano Colin Powell, o mesmo que foi às Nações Unidas tentar demonstrar que o Iraque tinha armas de destruição massiva, não é inocente e o próprio candidato já disse que quer intensificar as operações militares no Afeganistão (como se «aquilo» não fosse um país independente, mas sim o quintal da sua casa) e que não terá problemas em invadir um país se disso depender a «Segurança Nacional».

Cá para mim, que ninguém nos ouve, eu até penso que ele diz estas coisas porque é a única forma de ser eleito. Mostrar «pulso», ser «implacável» perante quem ameaça o bem estar dos americanos, é fundamental. Mas não acredito que, na prática, a política de uma administração com Barack Obama à cabeça, tenha o carácter belicista que certos discursos podem fazer querer. Acredito antes numa reviravolta completa na política ambiental, no estreitar das relações entre os povos sem procura de imposição pela força e o término de certas aberrações com o campo de concentração na ilha de Cuba, local que envergonha qualquer país defensor dos direitos humanos. Acredito que o mundo poderá melhorar se Barack Obama ganhar.

Ver um crioulo, neto de africanos, à frente da maior nação do Mundo, não é algo fenomenal? E depois, como lembrou o humorista português Ricardo Araújo Pereira, toda a gente conhece as regalias a que o Presidente dos EUA tem direito: morar na Casa Branca ou fazer-se deslocar no Air Force One. Depois de tudo o que aconteceu, não deixa de ser extraordinário que um povo tenha a coragem de pôr um avião daquele tamanho à disposição de um homem chamado Hussein ou que um negro seja o grande chefe de uma casa chamada branca. Por tudo isto, se desejou, aqui em Cabo Verde e um pouco por todo o lado que Barack Obama vença as eleições e se torne Presidente. Ou, como concluiu o referido humorista, «na pior das hipóteses, que lhe aconteça o mesmo que aconteceu a Bush: que perca as eleições e se torne Presidente.»

Santa Luísa

Luísa Queirós é uma artista extraordinária que admiro particularmente. Tem um currículo espantoso e apresenta-se este mês com uma exposição temática que considero ser representativa do melhor que ela já produziu durante a sua longa carreira, subordinada ao tema dos Naufrágios ocorridos em Cabo Verde. É muito difícil colocar em palavras o poder visual daqueles quadros, destas obras de arte, elaboradas a partir de múltiplas técnicas mistas sobre tela ou sobre papel e cartão, com colagens de diferentes materiais e as já típicas figuras e figuronas de Luísa Queirós que pululam naquelas pinturas como se falassem directamente connosco ou quisessem mesmo saltar daquele espaço vivo e invadir o nosso quotidiano. Eu, que sou até bastante viajado, e tive o privilégio de ver ao vivo obras de grandes mestres da pintura universal, desde Picasso, Monet, Van Gogh ou Leonardo da Vinci, não é todos os dias que me emociono até às lágrimas diante de uma pintura. As obras de Luísa fazem-me isso, emocionam-me até ao tutano, elevam a nossa condição humana a patamares superiores e por isso mesmo, cumprem a sua missão primordial, enquanto criações artísticas, e que poucas conseguem almejar de forma tão arrebatadora: tornam-se património da humanidade, carregam uma mensagem de esperança e fazem-nos sentir mais felizes.

Santo Vera Cruz

Como andei anos a perguntar pela conclusão da obra, é de elementar justiça que faça aqui eco desta importante inauguração, que teve lugar no último dia do mês de Outubro. Depois de ser anunciado por diversas vezes pelo Ministério da Cultura eis que, finalmente, um dos mais nobre edifícios da cidade volta a ter alguma utilidade real, e é aberto à cidade, aos seus cidadãos e aos ilustres visitantes. Um edifício que foi, entre outras funções que desempenhou ao longo da história do Mindelo, casa particular do Senador Vera Cruz, que a ofereceu à edilidade, para nela se instalar o primeiro Liceu de S. Vicente. Um gesto de importância histórica e que tornou a figura do Vera Cruz uma das mais queridas da cidade. Pelo que se pôde ver, a recuperação do antigo edifício, ex-Centro Nacional de Artesanato, foi tão demorada quanto bem realizada e todos devemos aplaudir a sua concretização. Resta saber o que é isso de «Museu de Arte Tradicional» porque numa primeira visita não ficou nada claro. Desejando que não venha a ter a mesma «sorte» que um outro certo palácio dito cultural, também resultante de um belo trabalho de recuperação de um edifício antigo e nobre, este é o momento de dizer, em nome da coerência, aplausos, sim senhor!

Santo Petróleo

Há mais de um mês atrás, no mesmo momento em que se anunciava mais um aumento do preços dos transportes públicos, o preço dos combustíveis – logo de todos os produtos a ele associados – teimava em não baixar, apesar da descida do preço petróleo nos mercados internacionais, quando foi a sua subida que havia então provocado os muitos aumentos que sofremos nos últimos tempos. Há um mês atrás, o preço do petróleo estava em 90 dólares por barril. Hoje, 30 dias depois, está nos 65 dólares por barril. Há um ano estava valendo o dobro desse valor. Para quando uma descida, na mesma proporção, dos preços dos combustíveis?


Mindelo, 01 de Novembro de 2008