No sítio oficial do Ministério da Cultura de Cabo Verde, na parte referente ao seu próprio Organigrama, está contemplada uma Delegação Regional da Cultura de S. Vicente, um serviço desconcentrado do Estado, que tem por missão, e passo a citar, “a prossecução das atribuições do Ministério da Cultura na respectiva área de intervenção.” O referido documento esclarece ainda das competências de uma delegação desta natureza: representar o Ministério, na respectiva área de intervenção; assegurar uma actuação coordenada, a nível regional, dos serviços e organismos; apoiar as iniciativas locais que, pela sua natureza, não se integram em programa de âmbito nacional ou que correspondam às necessidades e aptidões específicas da região. Neste documento oficial, disponível ao público em geral, ficamos a saber também que a Delegação Regional da Cultura não se encontra ainda estruturada, “criando com isso um vazio estrutural e organizacional que se impõe ultrapassar com urgência.” Esta noção de “urgência”, neste como noutros casos é bastante sui generis, tendo em conta que este é um organigrama com vários anos de existência.
Para além deste vazio pouco compreensível que nos faz questionar se em todo este tempo o Ministério da Cultura de Cabo Verde não encontrou nenhum cabo-verdiano com perfil para preencher esta vaga em S. Vicente, assumida pelo próprio Governo como “urgente”, há outra questão difícil de entender que se coloca na cidade do Mindelo, e que está relacionada com a inexistência de um estatuto oficial e jurídico de qualquer um dos três espaços culturais do Estado da ilha, cada um deles com características bem diversas, mas cuja situação e vazio legal certamente não favorecerá o trabalho dos funcionários do Ministério que aí trabalham e que fazem o que podem em condições muito difíceis. Vamos analisar três casos, expondo para cada um deles algumas ideias que tenho defendido nos últimos tempos.
Centro Cultural do Mindelo
É inegável o esforço da actual responsável do Centro Cultural do Mindelo para fazer daquele espaço uma verdadeira casa da cultura. A existência de uma agenda mensal – algo inédito neste país – anunciando com alguma antecedência as actividades de cada mês do ano, as sucessivas intervenções para manutenção do espaço, principalmente na parte exterior e os contactos e abertura demonstrados ao longo deste período com a comunidade artística local, são os aspectos que destaco pela positiva. Mas nem tudo são rosas. Continuo a pensar que foi um erro “estratégico” ter retirado o bar do local onde estava e é inegável que o Centro Cultural do Mindelo perdeu parte da vida que tinha e que a comunidade artística ficou de certa forma órfã, pois deixou de ter um espaço onde se encontrar diariamente, aos finais da tarde, como acontecia quando o bar estava no local anterior. Não está em causa quem gera o espaço, embora possa parecer que esta opinião é motivada por interesses pessoais, já que era a Associação Mindelact que o geria. Mas não é esse o caso. Defendo por isso, até porque já se viu que onde está não resulta, que a zona de convívio por excelência que era o bar, deveria passar de imediato para o local anterior, porque neste momento é pouco acessível e não se tem encontrado ninguém que o queira explorar. Está pura e simplesmente inactivo, deste o festival Mindelact. É um apêndice morto. E o Centro Cultural do Mindelo só tem a perder com isso.
Mas há outro aspecto, ainda menos incompreensível: a aplicação de uma filosofia de auto-sustentabilidade imposta pela tutela e que considero pouco recomendável porque despreza uma das funções do Estado nesta área que é promover, ou criar condições para que as diversas manifestações culturais se possam manifestar. Não faz sentido aquele espaço, que tem o principal espaço de exposições, um dos dois auditórios e uma das duas livrarias da cidade, que alberga algumas das principais actividades culturais do Mindelo, e que funciona como pólo fundamental de promoção cultural de toda a região Norte, não tenha um estatuto jurídico ou um orçamento próprio, que lhe permita, por exemplo, não só ter uma produção própria, como convidar grupos, artistas e produtores para usar os espaços em regimes de co-produção ou parcerias. Não faz sentido os grupos de teatro, por exemplo, pagarem para utilizar um auditório que, apesar de existir há 10 anos, ainda não tem um único projector próprio nem sistema de som instalado. Penso ser desejável e mesmo justificável do ponto de vista de aplicação de uma politica cultural, ser o próprio Ministério da Cultura, através do Centro Cultural do Mindelo ou da delegação a instalar, a convidar que cada companhia de teatro em actividade proponha no início de cada ano duas produções teatrais e ter, desta forma, uma agenda de artes cénicas para um ano inteiro, além das actividades como o Março – Mês do Teatro ou o Festival Mindelact, já apoiadas pelo Ministério. E o mesmo na dança, na música, nas artes plásticas. É certo que há actividades próprias que são promovidas pelo Centro Cultural do Mindelo, mas temos assistido à dificuldade que a actual responsável tem em fazer o muito que faz, tendo que recorrer a patrocínios ou a favores pessoais. É certo também que muitas vezes são dadas aos grupos de teatro “condições especiais de pagamento”, mas parece-me pouco razoável que essa verba seja cobrada porque é preciso pagar a conta da luz, de telefone ou a pintura exterior de um edifício público. Não deveria ser o orçamento do Ministério a pagar essas contas tendo em conta que estamos a falar de um edifício público?
Museu de Arte Tradicional
Inaugurado com toda a pompa e circunstância, no último dia do mês de Outubro do ano passado, o Museu de Arte Tradicional é todo ele um tremendo equívoco condenado ao fracasso. Já o disse aqui, elogio a recuperação ao edifício histórico, em plena Praça Nova, mas não compreendo que não se tenha querido, ou podido, recuperar também o espírito da sua obra maior e aquela que mais frutos trouxe ao país independente, tendo representado um marco indelével das nossas artes plásticas, do nosso artesanato, da nossa museologia e do nosso ensino profissional artístico. Falo, claro, do antigo Centro Nacional Artesanato, cujo elogio fúnebre foi feito na noite de abertura do novo museu, como se fosse algo que não fizesse sentido hoje (penso que faz), como se os seus principais promotores (Luísa Queirós, Manuel Figueira e Bela Duarte) não estivessem activos e a produzir, como se muito do batique, tapeçaria e pintura que temos hoje em Cabo Verde, não se devesse ao trabalho pioneiro, generoso e competente desenvolvido pelo Centro Nacional de Artesanato durante mais de uma década. O que era o Centro Nacional de Artesanato e o que fazia? Para quem não se lembra ou não sabe, e muito rapidamente, era um museu bem concebido, dedicado ao artesanato nacional; era um centro de investigação; era um centro de recolha e estudo do artesanato de todo o arquipélago; era uma escola de artes, de onde saíram novas técnicas e muitos artesãos e artistas; era um espaço vivo, onde se podia ir ver e falar com quem produzia e criava, nos teares, nos espaços de pintura, nos ateliers de impressão ou nas salas de aula.
A alternativa que nos é dada hoje, com um museu de Arte Tradicional – que ainda ninguém sabe explicar o que significa – apresenta um conteúdo museológico mais próximo de uma Casa de Memória do que de um Museu. E mesmo se tivesse sido esse o objectivo, penso que a matéria exposta é de uma pobreza franciscana tal que não honra nem a memória nem a história daquele local memorável. Não se sabe se foi a pressa de cumprir prazos, a vontade de evitar o ridículo de anunciar, pela enésima vez, a reabertura de um espaço público, sem que isso viesse a acontecer efectivamente, que fez com que o resultado final fosse tão desolador. Resta esperar que quem está lá hoje, tenha a capacidade de absorver o espírito de uma época, tenha a criatividade e o apoio necessário para transformar aquele espaço num museu vivo, atraente, utilizado por todos e orgulho da cidade do Mindelo. Hoje, ainda está longe de cumprir esse desiderato.
Réplica da Torre de Belém
A exposição de pintura – e escultura - dedicada aos Naufrágios de Cabo Verde, da autoria da pintora Luísa Queirós, promovida pelo Instituto Camões – Centro Cultural Português / Pólo do Mindelo, não foi só uma demonstração de que é possível ver uma exposição de artes plásticas bem elaborada, pensada, executada, com percurso definido, iluminação própria, conceptualização coerente e qualidade artística correspondente. Foi também uma novidade pelo local onde aconteceu. Na réplica da Torre de Belém, cuja recuperação durou muito tempo, custou muito dinheiro, e está pronta – nesta primeira fase – há muito tempo. Mas o edifício continua fechado. Inexplicavelmente. E compreende-se que tenha sido tão difícil conseguir as respectivas autorizações oficiais para fazer aquela actividade nesse edifício histórico do Mindelo. É que, com esta exposição, fica provada a sua funcionalidade e deixa de haver justificação plausível para que este espaço não seja mais aproveitado. A minha sugestão é simples: que se faça daquele lugar uma galeria de Arte Moderna cabo-verdiana, um espaço vivo, utilizado pelo Estado de Cabo Verde para promover os seus artistas. Que estes fossem convidados a propor grandes exposições temáticas, que estas fossem executadas por quem sabe, que aquele passasse a ser um espaço que tem todas as condições físicas, geográficas e sociais para se transformar num local vivo, interactivo, com uma programação própria. O espaço ideal para um Museu de Arte Moderna, suportado pelo Ministério da Cultura. Depois da exposição da Luísa Queirós já não há desculpa para o choradinho da falta de espaço de promoção dos nossos artistas. Essa uma das maiores conquistas dessa notável exposição.
1 comentário:
Alguns meses antes de concorrer ao cargo de Presidente da Camara Municipal do Mindelo, Onésimo Silveira interrogava-me sobre o que faria eu se para tal poderes tivesse, dessa réplica da Torre de Belém, antiga capitania do porto e mercado do peixe... Respondi-lhe:
o Museu do Mar! Não me parece que tenha ouvido...
Zito Azevedo
Enviar um comentário