quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Conversas de Café 07


Bloguices

Este mesmo semanário lançou na sua última edição a pergunta, “porquê ter um blogue?” E nada como ocupar este espaço para reflectir um pouco sobre a minha experiência pessoal enquanto editor de um blogue, neste caso, o Café Margoso, nascido a 27 de Dezembro de 2007.

Por definição, um blogue (ou blog, ou weblog) é uma página na internet, cuja estrutura permite a actualização rápida a partir de acréscimos de tamanho variável, chamados artigos (ou posts). Estes encontram-se geralmente organizados de forma cronológica inversa e podem ser escritos por uma ou várias pessoas. A ilustração dos artigos também é muito simples a partir de procedimentos de fácil execução. Um blogue é uma página pessoal – ou colectiva, no caso do blogue ter vários autores – cujos conteúdos variam na mesma proporção ao aumento exponencial destas páginas no mundo virtual. Para se ter uma ideia, em 2007, todos os dias eram criados 120 mil novos blogues, três a cada dois segundos! Em Março de 2005, eram criados 25 mil blogues por dia, e este diferencial permite-nos extrapolar que no dia de hoje, no início de 2009, estarão a ser criados cerca de 200 mil novos blogues em todo o mundo! Quando terminar de ler este artigo é muito provável que novos 1.500 blogues tenham entrado na grande rede global. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, os blogues já são mais lidos do que os jornais tradicionais e por eles passou muito da estratégia eleitoral que levou Barack Obama até à sala oval da Casa Branca.

O que começou por ser um pequeno movimento tomou-se hoje num fenómeno de proporções extraordinárias. E sobre a importância dos blogues à escala mundial, nada como recorrer ao italiano Giuseppe Granieri, um dos maiores especialistas de comunicação e cultura digital, autor de um aplaudido livro denominado Geração Blogue, onde faz uma exaustiva análise deste fenómeno. Diz ele que graças aos blogues, e aqui está a grande novidade, a rede modificou-se: a sua difusão finalmente ligou milhões de pessoas, convertendo-a de rede de conteúdos em infra-estrutura de discussão. “Nesta perspectiva, os blogues são o anel que faltava entre uma aspiração planeada há anos e a sua realização prática. “

Sendo certo de que há momentos em que dou aos blogues cabo-verdianos uma importância que (ainda) não tem, outros há em que me parece que estes têm mais importância do que se quer fazer crer. “Com os blogues”, escreve Granieri, “às enormes potencialidades da relação já implícita na rede vieram juntar-se as facilidades de acesso, a capacidade de memória e as possibilidades de pesquisa (...) Mas diferentemente dos outros instrumentos, os blogues reagrupam os conteúdos por pessoa, fornecendo aos indivíduos um instrumento de identificação fortíssimo. Isto facilita a relação quer entre sujeitos que já se conhecem, quer com sujeitos que iniciam um novo contacto a partir do zero.” A minha experiência pessoal confirma isto mesmo: desde que iniciei o Café Margoso, conheci pessoas novas, muitas outras passaram-me a conhecer um pouco melhor, até porque, como diz Paolo Valdemarin, “é muito mais fácil conhecer a fundo um blogueiro que se lê todos os dias do que um colega de trabalho.” Estou ainda convencido de que a existência de uma rede, mesmo que pequena e em estado embrionário como a dos blogues cabo-verdianos – todos distintos, com diferentes objectivos, natureza, alcance e ambição – traçou pontes entre o Norte e o Sul do arquipélago que são sempre de aplaudir num pais que facilmente tem a tendência quase suicida de se deixar cair num bairrismo retrógrada, com laivos de preconceito à mistura. Aliás, não concordo nada com essa visão existente em alguns sectores que insistem em classificar esta pequena e ainda incipiente rede blogueira crioula como um ciclo fechado e mutualista, de natureza quase maçónica, carregado de umbigos, palmadas nas costas e masturbações individuais e colectivas. Já escrevi sobre isso, e nunca é demais repeti-lo: quem quer ter um blogue pode tê-lo, à distancia de meia dúzia de cliques. E o grande desafio não é ter um blogue, é mantê-lo. Como se pode classificar os blogues um meio fechado se nascem cerca de 200 mil novos blogues novos em todo o mundo a cada dia que passa? Além de que, ter um blogue não é a única forma de participar nesta Grande Conversação. Uma das características mais interessantes dos blogues, assim como dos Fóruns, é permitir um diálogo permanente entre o emissor e os receptores dos textos, e entre os receptores entre si. Alguns dos mais acesos e interessantes debates sobre assuntos da actualidade crioula, viveram-se no universo dos blogues, dos seus artigos e comentários. 

Ainda Granieri: “As relações que se instauram são sólidas, visto que a profundidade da relação que se alcança através daquilo que se escreve e lê, é nitidamente superior à que se pode obter em muitos casos de relações pessoais fora da rede. De facto, são diferentes os tempos e os modos de relacionamento. Ao manter um blogue empenhamo-nos por completo e exprimimo-nos com a ponderação certa, que a escrita permite e que a expressão oral por vezes nega. No blogue aprofundamos, limamos, desenvolvemos o nosso pensamento de um modo que, sem este traçado cronológico, não seria possível.” Ou seja, as pessoas passam a conhecer as nossas ideias, as nossas opiniões e as nossas preferências. E interagem connosco. No meu caso pessoal, devo dizer que o facto de ter um blogue me obriga a uma reflexão diária dos acontecimentos da actualidade, a uma permanente procura de fontes de conhecimento, a uma busca das minhas próprias memórias, à leitura diária de poesia, a uma revisão de conceitos, a uma conceptualização de temáticas necessariamente mais ponderada. 

Cada um tem o seu blogue por alguma motivação. Essa motivação pode ser pessoal, certamente. Mas acredito que a maioria, pelo menos no caso da blogosfera cabo-verdiana, o faz porque pensa que dessa forma pode contribuir e que esse é um exercício de cidadania como qualquer outro. Como escreveu o blogueiro português Marcos Santos, um blogger generoso é “alguém que gasta horas não a coçar os seus poéticos tomates, mas a valorizar o espírito de partilha, a vontade de transmitir e receber conhecimento, dar e receber ideias, alguém que escreve pela música, pelo cinema, pela arte, pela ciência, por aquilo em que acredita, enfim, pelas pessoas. Muitos não têm um décimo do reconhecimento que merecem, mas são eles os responsáveis pelos verdadeiros blogues de topo, as referencias da blogosfera. Podem ser culturais, mas não são elitistas, políticos sem ser politiqueiros, polémicos mas sem usar a maledicência ou a calúnia.” Esta citação, referente ao universo dos blogues portugueses, um dos países da Europa onde este fenómeno tem maior expressão, não é de todo desprovido de paralelos com a realidade cabo-verdiana. Se bem que, como escreveu Jorge Tolentino no seu blogue Passageiro em Trânsito, a blogosfera crioula ainda agorinha arrancou, enquanto fenómeno com expressão mediática e que muito caminho há ainda a percorrer. Não quero com isto dizer que apenas agora começou a haver blogues em Cabo Verde nem diminuir quem por aqui anda há muito mais tempo do que eu. Quem não se lembra, com alguma saudade, do Lantuna, da Matilde Dias? Ou o que dizer da também jornalista Margarida Fontes que mantém o seu espaço há mais de quatro anos? Agora parece-me claro que o fenómeno blogueiro, enquanto espaço de comunicação, debate, cidadania, intervenção critica construtiva, amplo e alargado a um maior número possível de pessoas, está apenas a arrancar em Cabo Verde.

E volto à questão de partida. Porquê um blogue? Bem, para falar a verdade quando comecei não fazia nenhuma ideia do que pretendia nem qual o rumo tomar. Procurei que o Café Margoso fosse um “lugar” onde recebo amigos, conhecidos e desconhecidos, como nos cafés de antigamente, onda as tertúlias e os debates acompanhavam sempre o café ou o chá, então e quase, meros pretextos. E procurei esse fosse um lugar ou um pretexto para estar, falar, opinar, rir, emocionar, ver, escolher, perguntar, declarar, desaforar, convidar, ouvir e ver, escolher, criticar, perguntar, para construir pontes, enfim, para partilhar. Durante este período aprendi imenso, ganhei novos amigos, aproximei-me do Sul e terei ganho algumas inimizades. Certamente errei algumas vezes, exagerei outras, fui imprudente e até injusto. Mas procurei sempre não calar, não censurar, não desqualificar, não desvalorizar, não temer e não cegar nada nem ninguém. 

Há quem faça blogues por gostar de se ver ao espelho? Por gosto? Por diversão? Porque lhes apetece? Naturalmente. Problema de quem os faz e de quem os visita. O universo blogueiro é totalmente livre, para o bem e para o mal, e embora tenha sempre presente as palavras de um amigo que me dizia há dias que “isto dos blogues é uma pura perda de tempo”, não deixo de me lembrar também da frase de Machado de Assis que diz: “palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução.”

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